Por Pedro Alexandre Sanches no http://www.cartacapital.com.br/2005/11/3446
A gana em preservar o Mickey expõe as entranhas do direito autoral
Um advogado entrou em disputa judicial com Mickey Mouse. A estratégia de defesa de Mickey contou com o lobby de um congressista e ex-cantor chamado Sonny Bono, que nos anos 60 integrara a dupla de pop chiclete Sonny & Cher. O camundongo derrotou o advogado Lawrence Lessig na Suprema Corte dos EUA. Parece argumento debilóide de Hollywood, mas é a mais crua vida real.
A história não só não é ficção como rendeu um livro que, ele próprio, também parece (mas não é) uma peça de ficção. Cultura Livre, escrito de punho próprio por Lessig e lançado em 2004, acaba de ganhar uma edição brasileira, que só pode ser adquirida de uma maneira: gratuitamente.
O pó de pirlimpimpim capaz de dar liga a todas essas peças aparentemente inverossímeis é a causa a que Lessig se empenha desde 1997: a luta pela distensão da legislação vigente de direitos autorais (os copyrights, no linguajar em inglês com que são conhecidos e protegidos em todo o planeta). Para o autor, tal legislação caducou e se tornou cerceadora voraz de liberdade de expressão e criação artística neste mundo pós-internet, download, MP3, blog, fotolog etc.
Foi essa a causa do confronto aberto entre o homem e o simpático e quase heróico rato gerado em 1928 pela imaginação de Walt Disney. Obedecendo à legislação de proteção de copyright, em 1998, ao completar 70 anos de idade, Mickey adquiriria maioridade e ficaria independente de papai Disney. Cairia em domínio público e passaria a ser livremente manipulável não só pelo conglomerado que seu criador deixou como herança, mas por qualquer um, com qualquer finalidade, comercial ou não.
A Disney se apavorou com a idéia de perder a varinha de condão de lucro que as orelhas redondas do camundongo propiciavam por quase quatro gerações. Lessig não conseguiu barrar a aprovação do Ato Sonny Bono no Congresso, que estendeu por mais 20 anos, até 2018, a escravidão de Mickey (e de toda e qualquer obra criativa de faixa etária semelhante). O político Bono morrera pouco antes, e virou nome de lei porque, segundo teria afirmado sua viúva, acreditava que o copyright deveria ser eterno.
Segundo defende Lessig em Cultura Livre, não foi a convicção dos congressistas, mas sim um forte lobby econômico que deu vitória à perpetuação da proteção. Em 1790, a primeira lei de copyright estipulou que as criações seriam protegidas por 14 anos; de 1962 para cá, sob pressão de uma indústria cultural em brutal ascensão, houve 11 prorrogações consecutivas, rumo, talvez, à eternidade sonhada por Sonny.
De acordo com Lessig, dez dos 13 congressistas empenhados na aprovação do Ato Sonny Bono teriam sido irrigados pela Disney com o máximo de contribuição eleitoral permitida por lei. O conglomerado formado pelas maiores produtoras de cinema e gravadoras de discos dos EUA teria gastado US$ 1,5 milhão em lobby eleitoral em 1998, US$ 200 mil dos quais teriam ido diretamente para contribuições de campanha. Estima-se que a Disney tenha contribuído com mais de US$ 800 mil para campanhas de reeleição na época, escreve.
O livro esmiúça esse e outros embates entre aqueles que apelida de guerreiros e extremistas do copyright e o seu próprio grupo, tachado pelos opositores como esquerdista e, idem, extremista. Defende a idéia avessa, do copyleft e dos chamados Creative Commons, contracorrente que defende, em vez do lema de todos os direitos reservados, um outro mais tolerante e maleável, de alguns direitos reservados.
No percurso, aborda uma série saborosa de exemplos e estudos de caso, demonstrando que os que hoje mais se debatem contra a pirataria on-line fundaram seus próprios impérios na prática da… pirataria.
Relembra, por exemplo, que Mickey Mouse veio ao mundo no desenho animado Steamboat Willie, uma paródia do filme Steamboat Bill, Jr., do comediante Buster Keaton, que por sua vez se referia à música Steamboat Bill. Acrescenta que grande parte da obra cinematográfica de Disney (Branca de Neve, Pinóquio, Cinderela…) era apropriação criativa, sem copyright, de contos de fadas de Irmãos Grimm e anexos.
A indústria cinematográfica de Hollywood foi construída por piratas em fuga, provoca, descrevendo a migração de criadores para a Califórnia, no início do século XX, para escapar ao controle de patentes.
Lessig insiste em repetir que não, não é portador de idéias subversivas ou radicais. A necessidade, argumenta, é de que se revise uma legislação pública que, desde o advento da internet, vem abocanhando nacos polpudos antes pertencentes à vida privada dos cidadãos. Coibir com processos milionários adolescentes que fazem troca virtual caseira e não comercial de música seria, para ele, um modo de travestir de suposto interesse público a defesa oligopolista de interesses comerciais privados.
Leia na íntegra em http://www.cartacapital.com.br/2005/11/3446
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